Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nasceu em 20 de agosto de 1889, na cidade de Goiás, e faleceu, há 40 anos, em 10 de abril de 1985, em Goiânia. Sua poesia, marcada pela simplicidade e profundidade, continua a encantar leitores eruditos e leigos de todos os lugares.
Sigmund Freud dizia que os poetas elaboram conhecimento sobre o ser humano antes mesmo dos psicanalistas, e Jacques Lacan reforçava que os poetas sempre vão à frente, sabendo primeiro, mesmo sem o saber. Cora Coralina é um exemplo dessa sabedoria universal e intuitiva. Sua obra fala da vida vivida, com uma linguagem artística refinada, mas acessível até para os leitores menos especializados.
Um poema que particularmente me encanta é Nasci antes do tempo, composto por quatro estrofes que revelam uma sabedoria profunda sobre a vida e as relações humanas.
Tudo que criei e defendi
nunca deu certo.
Nem foi aceito.
E eu perguntava a mim mesma
Por quê?
Quando menina,
ouvia dizer sem entender
quando coisa boa ou ruim
acontecia a alguém:
Fulano nasceu antes do tempo.
Guardei
Tudo que criei, imaginei
e defendi
nunca foi feito.
E eu dizia como ouvia
a moda de consolo:
Nasci antes do tempo.
Alguém me retrucou.
Você nasceria sempre
antes do seu tempo.
Não entendi e disse Amém.
Nos dois primeiros versos, o eu lírico expressa que seus projetos e planos nunca deram certo, o que poderia sugerir um lamento ou destino trágico. Contudo, na terceira estrofe, o poema sinaliza uma interpretação positiva do ditado popular "nasci antes do tempo", como uma forma de consolo que dá força para continuar.
Na última estrofe, o poema revela que alguém lançou um insulto ao eu lírico, dizendo que ela sempre nasceria antes do tempo. O desfecho, porém, é surpreendente e belíssimo: ao invés de aceitar o insulto e cultivar um sentimento de sofrimento, o eu lírico escolhe dizer Amém. Essa escolha reflete uma sabedoria ao mesmo tempo poética e prática, muito útil do ponto de vista da saúde mental, ensinando-nos a não dar espaço para as interpretações ruins que os outros nos oferecem.
Como explica o psicanalista Jorge Forbes, quando recebemos um elogio, tendemos a nos defender modestamente, até mesmo dizendo: não é bem isso, é gentileza sua! Porém, quando recebemos um insulto, aceitamos prontamente, identificando-nos com a visão negativa que nos é oferecida. A palavra ruim grande na gente como se fosse carrapicho! Cora Coralina, com sua poesia, nos ensina a tratar a nós mesmos com mais gentileza e amor e a dizer Amém às coisas boas, e não às ruins, que a vida nos oferece.
Será que poderíamos aprender a ser mais amáveis conosco mesmos? Talvez a resposta esteja na simplicidade poética de Cora Coralina: dizer Amém às coisas boas e seguir em frente, sem o peso do excesso de negativismo, muitas vezes vindo dos outros.
*Francisco Neto Pereira Pinto é psicanalista, professor Universitário e Escritor. Autor do livro À beira do Araguaia. (Intagram: @francisconetopereirapinto)