Há quanto tempo a manipulação possui a tolerância do manipulado? Uma vez que a manipulação, como forma de exercício do domínio sobre uma pessoa ou uma população, a reduz a mero objeto, é o modus operandi da política, desde a noite dos tempos, não se pode responder com alguma precisão a essa questão. Todavia, é possível descrever alguns elementos significativos que compõem o profícuo diálogo entre tolerância e manipulação.
Vejamos como o manipulador, independentemente de sua esfera de atuação, age.
O manipulador age com falsidade (esse comportamento não é tão autoevidente quanto parece), sem deixar de lado a elegância que lhe traveste parte de sua imprecisão. Um exemplo da falsidade do manipulador é traduzido na situação na qual ouvimos “o cliente tem sempre razão”, para a qual sorrimos, e sentimos algum prazer por estar nessa condição que não é outra a não ser a de mero comprador. O procedimento comum das palmadinhas nas costas antes do enlace da corda no pescoço é altamente comum em comerciais produzidos na grande mídia; praticamente todos, em algum momento da vida, fomos manipulados por essa falsidade.
Outra forma da ação manipuladora é o empobrecimento do manipulado para mais facilmente subjugá-lo. Tal expediente exige maior grau de complexidade, porquanto se pode empobrecer alguém tanto linguística e imaginariamente, quanto histórica e culturalmente. Um uso vocabular manipulativo é fazer com que certos itens da língua sejam proibidos, em alguns casos causando sanções judiciais. Uma das formas de tolher o imaginário é o impedimento de expressões, como narrou George Orwell, em sua obra “1984”. Há também aqueles manipuladores que apagam o passado para implantar uma narrativa utópica, que empobrece quem nela se ancora para refletir o presente. Esse apagamento é tanto comum na política nacional quanto no ensino, que precisa selecionar aquilo que faz sentido aos planos de governo. Aqui, História e cultura estão comprometidas pela manipulação.
O manipulador também pode utilizar-se da máscara de democrático, mas sendo um tirano. Também é muito comum em debates públicos no interior dos quais não é dado o tempo necessário para a reflexão madura por meio da contraposição, por exemplo. Nesse caso, o manipulador age com a mesma rapidez do ilusionista que carece da mudança de foco e rapidez para empreender seu truque. Assim, o manipulador o faz. Em determinada reunião ou debate, ele propõe velozmente a solução que melhor o beneficia, inclusive trazendo os supostos pontos positivos e, desse modo, soterrando quaisquer pontos dissidentes. Quem nunca viu esse procedimento em debates políticos ou mesmo em reuniões de trabalho (até em reuniões de grupos escolares isso acontece)?
O agir manipulativo não aceita o debate, em algum momento, pode parecer ouvir, mas isso é outra estratégia. Essa é justamente a possibilidade do manipulador empregar o expediente de agir conforme a “corrente”, isto é, seguir o fluxo.
A manipulação é sagaz, se não permite a reflexão, advém tanto de seu uso quanto de seu emprego, uma vez que o manipulador aproveita-se de certas tendências contemporâneas, como evitar obstáculos, evitar complexidades e evitar conflitos (cada um dos leitores pode meditar sobre tais tendências que parecem universais e chegar à conclusão se são ou não). Todos querem liberdade, por essa razão correm das adversidades e dificuldades que impedem o exercício dela. Todos querem lidar com as coisas e relações de maneira mais facilitada, então, fogem da complexidade. Todos, ou pelo menos a maioria, querem a paz, portanto, retiram-se dos conflitos antes mesmo que esses comecem. Eis o prato cheio para o manipulador, que pode prometer liberdade, facilidade e paz ou pode simplesmente fingir que quaisquer desses valores serão alcançados se suas propostas forem aceitas. Tal manipulação é invencível! Observe e a veja tamanha tolerância ao seu redor.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).