Você já parou para pensar no quanto estamos mentalmente conectados, e talvez controlados, pelas redes digitais? Em menos de três décadas, passamos da invenção da internet (com o marco de sua expansão para o final de 1990) para a consolidação de um fenômeno que parece ter saído das páginas da ficção científica: uma espécie de mente coletiva em que milhões de consciências estão, simultaneamente, entrelaçadas por conexões invisíveis, likes e algoritmos.
Com o advento da internet e, mais recentemente, com a popularização dos smartphones e aplicativos de redes sociais, o mundo físico ganhou uma dimensão paralela, não menos real, onde se formam, dissolvem e redefinem laços sociais, subjetividades e até valores. Essa nova realidade interconectada não apenas ampliou as possibilidades de comunicação, como também criou um espaço simbólico que alguns poderiam chamar de "mente coletiva". Diferente da noção mística ou filosófica tradicional, trata-se aqui de uma estrutura concreta, tangível em dados, memes, tendências e movimentos virais.
Pela primeira vez na história, é possível que quase todos os habitantes do planeta compartilhem simultaneamente imagens, ideias e opiniões em tempo real. Essa agilidade e alcance não têm precedentes. Contudo, essa interconexão massiva, ainda que fascinante, suscita uma indagação urgente: será que estamos nos integrando a uma nova consciência global ou apenas nos dissolvendo numa massa de validações instantâneas e pensamentos pré-fabricados?
As redes sociais, com sua lógica de exposição constante e recompensas emocionais imediatas, moldam comportamentos, definem tendências e exercem uma influência cada vez mais evidente sobre decisões individuais e coletivas. Não são raros os casos em que debates importantes, que demandariam tempo e aprofundamento, são sumariamente encerrados por julgamentos rápidos, guiados por emoções e likes. Vivemos, em certa medida, em uma nova ágora, mas talvez sem o compromisso socrático com o pensamento crítico.
É inegável que esse novo modo de estar no mundo oferece ganhos substanciais: acesso democratizado à informação, ampliação de vozes marginalizadas, possibilidades de mobilização social. Mas também é verdade que, nesse processo, estamos sujeitos à diluição da subjetividade, à perda de profundidade emocional e à uniformização do pensamento. Como em uma grande rede neuronal, cada indivíduo passa a ser um nó que repete, compartilha e reforça o que já está circulando, muitas vezes sem filtrar, sem pensar, sem questionar.
O “velho” erudito, dos tempos idos, talvez dissesse que a mente coletiva sempre existiu: um saber acumulado pela humanidade e transmitido entre gerações. Mas hoje, essa mente coletiva atualiza-se em tempo real, com participação contínua de bilhões de usuários, sob a mediação de interesses comerciais, algoritmos opacos e bolhas de confirmação. A pergunta que se impõe, portanto, é menos técnica e mais filosófica: o que estamos fazendo com essa mente coletiva e o que ela está fazendo conosco?
É certo que novas revoluções tecnológicas continuarão a alterar esse panorama, talvez nos levando a um nível ainda mais profundo de integração homem-máquina. Mas antes de celebrarmos essa conectividade como um triunfo civilizatório, é preciso perguntar: seremos sujeitos autônomos dentro dessa rede ou apenas extensões do que ela determina pensar, sentir e desejar? Eis o debate fundamental, não para os que querem respostas prontas, mas para os que ainda se permitem a dúvida, a crítica e o silêncio.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.