A Medida Provisória (MP) 1.303/2025 editada pelo Governo Federal para ampliar a arrecadação reacendeu um debate recorrente sobre quem realmente “mama nas tetas do governo”. Dentre os principais pontos, estão a taxação de 5% sobre os rendimentos de Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), a unificação da alíquota do Imposto de Renda de 17,5% sobre investimentos, inclusive criptomoedas, além da alíquota de 18% sobre as casas de apostas, as famosas “BETs”.
Em relação ao Imposto de Renda sobre investimentos, a alíquota variava entre 15% e 22,5%, conforme o prazo de aplicação. Quanto as “BETs”, a alíquota não incide sobre os prêmios pagos aos apostadores, mas sim sobre o GGR (Gross Gaming Revenue) pago pelas empresas. O GGR é a diferença entre o total de apostas e o total pago em prêmios e demais impostos. Antes a alíquota era de 12% sobre a receita líquida.
A reação foi imediata. Investidores reclamaram, setores específicos mais ainda. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) emitiu nota afirmando que a medida “prejudica o setor produtivo”, com potencial de “reduzir o crédito rural privado e encarecer o custo para o produtor”. A CNA chorou, bateu duro e no final o governo amenizou no texto da MP.
O agronegócio brasileiro, além de moderno é competitivo, sim, mas também é profundamente dependente do Estado, basta ler a Lei Kandir. Ademais, dizer que a cobrança de 5% sobre o rendimento de um papel financeiro vai quebrar o setor é, no mínimo, uma meia-verdade. Mas a pergunta que precisamos fazer é: prejudicar quem, exatamente?
É curioso observar como certos grupos se acostumaram com um modelo de mercado subsidiado, financiado e protegido pelo Estado, e mesmo assim, se dizem “liberais”.
Criticamos muitos políticos, mas não são apenas eles que sobrevive das benesses públicas. Há empresários que constroem impérios sobre crédito público barato, incentivos fiscais, renúncias tributárias e operações financeiras protegidas por isenção de impostos.
Tome-se como exemplo os investimentos em LCIs e LCAs. Esses títulos, que sempre foram isentos de Imposto de Renda, não são instrumentos acessíveis ao pequeno poupador. Ao contrário, são amplamente utilizados por grandes investidores e instituições financeiras para alocar capital com risco reduzido e retorno garantido. E sem contribuir com um centavo em tributos.
É com esse dinheiro que se constroem shoppings, adquirem-se fazendas milionárias e ampliam-se holdings familiares. Mas, ao menor sinal de cobrança, vem o choro: “o governo está nos punindo” ou “esse governo é sanguinário”.
Ora, isso beira a hipocrisia. O Brasil tributa mal? Sem sombra de dúvida. Porém, o país precisa de justiça tributária, e isso passa por tributar onde há capacidade contributiva. Tributar dividendos, rentismo, ganhos excessivos e apostas online não é “intervencionismo estatal”, chamo isso de coerência fiscal e moral.
Quando o Estado cobra impostos do assalariado, ninguém se manifesta. Mas quando taxa um título de investimento milionário ou uma operação financeira complexa, surgem as manchetes dizendo que o país está afugentando capital.
O mesmo vale para as plataformas de apostas, que movimentam bilhões, muitas vezes sem controle, sem retorno social e com forte apelo exploratório sobre a população mais vulnerável - tá na hora do Estado criar políticas públicas para tratar o ludopata.
Por isso, a ideia de que apenas políticos vivem às custas do Estado é simplista e conveniente para alguns. O Brasil, há décadas, tem servido também a um setor empresarial que se alimenta de renúncias, incentivos, linhas de crédito oficiais, e subsídios implícitos. E quando esse privilégio começa a ser minimamente contestado, soa o alarme do “Estado predador” que não incentiva o desenvolvimento.
É claro que o equilíbrio fiscal exige responsabilidade, e que taxação excessiva pode sufocar setores produtivos. Mas a opinião aqui exposta não é uma punição ao investimento, e sim uma correção de distorções que perpetuam desigualdades e que pune, na maioria das vezes, a parte mais fraca. Quem lucra milhões deve, sim, contribuir com a sociedade que permite e ajuda na obtenção desse lucro.
Portanto, o atributo de mamar nas tetas do governo não é exclusividade da classe política. E para o governo fica aqui o puxão de orelha: para que haja justiça fiscal, que se taxe o luxo antes de cortar o básico.
*Claiton Cavalcante é contador, membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis e do Instituto dos Contadores do Brasil.