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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

No dia 7 de setembro deste ano acontece um fenômeno astrológico: eclipse lunar. Para astrônomos e astrólogos tal ocorrência pode representar um conjunto de significados que possuem, a depender da área, um determinado sentido e uma certa explicação. Em 7 de setembro de 1822, o Brasil foi declarado independente de Portugal, desde lá, comemora-se, nesta data, o Dia da Independência. Todavia, a partir de alguns elementos críticos para com essa suposta independência pode-se entender que há, na verdade, um eclipse em seu lugar, obliterando as relações de vassalagem para com outras nações, tanto no aspecto financeiro quanto no aspecto intelectual.

A independência de 1822, embora celebrada como marco fundador da autonomia nacional, revela-se, quando examinada com rigor histórico e político, menos como uma ruptura e mais como uma acomodação. A elite agrária preservou seus privilégios, a escravidão foi mantida como pilar econômico por mais de seis décadas, e a dependência financeira em relação à Inglaterra consolidou uma independência tutelada. Assim, a proclamação soou como gesto de emancipação, mas ressoou, em seu âmago, como pacto de conservação.

Os séculos seguintes confirmaram que a promessa de soberania esteve constantemente atravessada por forças externas e internas que impuseram limites à emancipação real. Do endividamento junto a bancos estrangeiros à submissão aos organismos multilaterais contemporâneos, do alinhamento político a potências hegemônicas à importação acrítica de modelos culturais, o Brasil muitas vezes caminha sob a sombra da heteronomia. A independência, nesse sentido, foi mais mito do que realidade, mais discurso do que prática, mais encenação do que transformação.

Se, no plano econômico, a independência permaneceu sob tutela das potências estrangeiras, no plano intelectual a situação não se mostrou menos grave. A elite letrada do século XIX, em larga medida, conformou-se a reproduzir modelos europeus de pensamento, importando teorias, estilos e categorias que raramente dialogavam com a realidade social brasileira. Essa tradição de transplante acrítico não apenas perpetuou a ideia de que a legitimidade do saber residia sempre “fora”, mas também naturalizou a posição periférica do Brasil no circuito mundial da produção de conhecimento. Ainda hoje, essa herança persiste: a universidade e a pesquisa nacionais lutam para afirmar-se em meio à pressão por índices internacionais, ao mesmo tempo em que carecem de políticas soberanas que consolidem uma ciência e uma cultura enraizadas em nossos próprios dilemas históricos. A dependência intelectual, portanto, é outro aspecto do eclipse de nossa independência, obscurecendo a possibilidade de um pensamento verdadeiramente emancipado.

É justamente nesse ponto que a metáfora do eclipse revela sua força interpretativa. O eclipse não anula a existência da lua; apenas a encobre, obscurecendo sua luz própria. Do mesmo modo, a independência brasileira não deixou de ser proclamada; apenas permanece obscurecida por relações de dominação e subserviência que nos impedem de brilhar em plenitude. Celebra-se a data, hasteiam-se bandeiras e entoam-se hinos, mas, em muitos aspectos, segue-se sob uma penumbra política, econômica e intelectual.

Assim, o 7 de setembro não deve ser apenas ocasião para festejo ritual, antes, para reflexão crítica. A pergunta que se impõe não é se houve independência no passado, mas se haverá no futuro. Enquanto não se enfrentar as estruturas que perpetuam desigualdades internas e dependências externas, a independência seguirá sendo parcial, eclipsada, quase sempre à meia-luz. E, como na metáfora astronômica, talvez reste ao Brasil decidir se continuará como lua eclipsada, vivendo da claridade alheia, ou se ousará emergir da sombra para revelar, enfim, sua própria luz.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).