O mercado de veículos elétricos no Brasil está entrando em uma nova fase: com crescimento acelerado de emplacamentos, ampliação da infraestrutura de recarga e chegada de novas montadoras, a atenção agora se volta para o que vem depois da venda — a manutenção. Um estudo do Porto Digital, um dos principais distritos de inovação da América Latina, estima que o mercado de serviços automotivos para veículos elétricos poderá movimentar até R$ 5 bilhões anuais até 2030, impulsionado pela demanda por reparos especializados, peças eletrônicas e atualizações de sistemas embarcados. O alerta, no entanto, vem acompanhado de um desafio: a formação de mão de obra técnica especializada.
Em agosto de 2025, o Brasil registrou 25.297 emplacamentos de veículos eletrificados, sendo 7.603 puramente elétricos, com crescimento de 48,8% em relação a agosto de 2024. No acumulado de janeiro a agosto, foram 164.457 unidades, alta de 50,5% sobre o mesmo período no ano anterior, representando 10,5% do total de automóveis e comerciais leves emplacados no país. Estimativas apontam para uma frota de cerca de 500 mil veículos eletrificados em circulação, equivalente a 1,1% da frota nacional (automóveis e comerciais leves). Em paralelo, a infraestrutura também cresce: em fevereiro de 2025 havia 16.880 pontos de recarga públicos e semipúblicos, um avanço de 14 % em apenas seis meses (o que representa 1 ponto de recarga para cada 29 veículos em circulação).
Esse avanço é sustentado pela entrada de novas montadoras. A BYD, por exemplo, importou mais de 22 mil veículos no período de janeiro a maio de 2025, pretende fechar o ano com 50 mil veículos montados a partir de kits importados e anunciou produção completa de automóveis elétricos em território nacional a partir de meados de 2026. A GWM dará acaba de inaugurar sua fábrica no interior de São Paulo (ago/25) e pretende fabricar 30 mil veículos em 2026; a Stellantis firmou parceria com a Leapmotor para importar e lançar modelos elétricos mais acessíveis no país - embora, até aqui, não haja anúncio oficial sobre produção local.
“A transição energética da mobilidade é um caminho sem volta. Mas sem capital humano qualificado, o Brasil corre o risco de assistir à revolução elétrica de fora. Precisamos agir agora, com políticas de requalificação, fomento à formação técnica e apoio à inovação. Isso inclui infraestrutura, certificações, ferramentas de diagnóstico e, sobretudo, capital humano qualificado”, afirma Luíz Maia, professor de Economia e Finanças na UFRPE e pesquisador do Porto Digital.
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Desafio técnico: mais chips, menos pistões
Ao contrário dos carros a combustão, veículos elétricos exigem menos peças móveis e trocas de óleo — mas muito mais conhecimento em eletrônica de potência, software e sistemas digitais. Elementos como o BMS (Battery Management System), as ECUs (Electronic Control Units) e os sensores de condução autônoma exigem técnicos aptos a diagnosticar falhas digitais, atualizar firmwares e substituir módulos com segurança.
O estudo do Porto Digital estima que, após o fim do período de garantia (entre 3 e 5 anos), grande parte da frota estará exposta à necessidade de manutenção fora das concessionárias. Isso abre espaço para oficinas especializadas, que poderão capturar parte de um mercado estimado em bilhões de reais.
Mercado em números
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Capacitação urgente: gargalo à frente
Para suprir essa demanda, será necessário investir pesado em formação técnica. Em Pernambuco, o IFPE e o SENAI já oferecem cursos em eletroeletrônica, com cargas horárias entre 1.200 e 1.500 horas, e a Escola de Eletricistas da Neoenergia se destaca por iniciativas inclusivas. Mesmo assim, estima-se que apenas 20% dos formandos estão hoje plenamente aptos para atuar no mercado de veículos elétricos - sem treinamentos complementares.
O estudo recomenda que empresas requalifiquem técnicos, firmem parcerias com instituições de ensino, adquiram equipamentos de diagnóstico avançado e busquem certificações. Já o setor público deve priorizar financiamento de laboratórios, regulação de normas técnicas para alta tensão e fomento a empregos verdes. Para os consumidores, por sua vez, será fundamental investir em conscientização sobre os riscos de reparos improvisados.
Um exemplo bem-sucedido na formação de talentos é o Embarque Digital, programa do Porto Digital em parceria com a Prefeitura do Recife. A iniciativa mostra como ecossistemas de inovação podem acelerar a preparação de profissionais para demandas emergentes, e serve de referência para a criação de programas semelhantes focados em mobilidade elétrica.
“Investir na formação de eletricistas, técnicos em eletrônica veicular e especialistas em softwares automotivos é fundamental para que o Brasil não perca essa onda de prosperidade e se consolide como um player relevante na economia da mobilidade elétrica”, reforça Maia.